Texto: Natália Tiezzi Manetta
Fotos: Pedro Júlio Photografias
Caros amigos. A história que Evidência Revista traz em homenagem ao Dia dos Pais poderia se tornar um filme ou mesmo um livro, pois é cheia de coragem, emoção e muito, muito amor envolvido.
Representando todos os papais nessa data especial de agosto, lhes apresento Enéas Rodrigues Soares. Ele é casado há 10 anos com Rosângela Cristina da Silva Rodrigues Soares e são pais de quatro filhos.
Mas, o que há de tão especial nesta família e neste pai? A partir de agora, convido vocês, leitores, a conhecerem um pouco mais sobre o papai Enéas e o que torna essa família um tanto quanto ‘diferente’ e muito abençoada.
UMA VIDA NAS MÃOS DE UMA DECISÃO...
Quem me concedeu a entrevista foi Rosângela, pois Enéas estava muito ocupado no momento, se divertindo e fazendo muitas fotos com seus quatro filhos para a revista.
Emocionada desde o início de nossa conversa, Rosângela não tirava os olhos de Enéas e também das lindas crianças, que se divertiam à frente das lentes das câmeras com o pai.
Rosângela disse que desde adolescente seu sonho era adotar uma criança. “Minha mãe quase chegou a adotar, mas infelizmente não foi possível. Sempre tive comigo essa vontade e comecei a dar os primeiros passos na realização desse sonho a partir do meu casamento com Enéas”.
Porém, em um dos dias mais feliz de sua vida, a poucos momentos de se casar, Enéas recebeu a notícia que seus pais haviam sofrido um grave acidente. “Meu querido sogro e sogra estavam a caminho do casamento e se envolveram num acidente que lhes tirou a vida. Ficamos arrasados. O Enéas se entristeceu ao extremo... Foi um momento muito difícil”, relatou Rosângela.
Tempos após a tragédia e o casamento, Rosângela voltou a falar sobre adoção com Enéas. “Já tínhamos conversado algumas vezes sobre essa minha vontade de adotar e também tentamos ter nosso primeiro filho de forma natural, mas não estávamos conseguindo”.
Foi então que o casal decidiu que adotaria uma criança e deram entrada na documentação. A espera do primeiro filho durou um pouquinho mais do que uma gravidez: em um ano chegava Mateus.
“Achamos que foi até muito rápido o processo de adoção. Mas tanto eu, quanto Enéas sabíamos que Mateus foi destinado a Deus para nós. Quando o juizado entrou em contato conosco, no mesmo momento já fomos conhecer o Mateus. Ele estava em um lar para crianças órfãs e era carregado por uma cuidadora. Assim que vimos aquele menininho já quisemos toma-lo nos braços. A cuidadora, então, nos indagou: ‘Vocês não querem primeiro ver se a criança é ‘perfeita’, tem todos os membros, etc’? Naquele momento, apenas respondi a ela que não e queria aquele bebê do jeitinho que ele era. A cuidadora se espantou e disse que a maioria das pessoas interessadas em adotar faziam primeiro essa espécie de inspeção na criança. E se encontrassem algum ‘defeito’ desistiam do bebê”.
O pequeno Mateus, de apenas 4 dias, acabara de ganhar uma nova família: um pai e uma mãe que já o amavam muito. “Dias antes do Mateus chegar, a assistente social que cuidava do processo de adoção nos contou a triste história daquela criança. Ele foi rejeitado pela mãe biológica durante toda a gravidez. Na hora do parto, ela não quis nem mesmo olhar, muito menos amamentar o bebê. Isso nos tocou muito, principalmente ao Enéas, que não via a hora de pegar nos braços seu primeiro filho”.
A DIFÍCIL FASE DE ADAPTAÇÃO
Apesar de todo o desejo de adotar um filho e todo o amor e carinho que Enéas e Rosângela dispensavam ao pequeno Mateus, a adaptação da nova família não foi tão fácil. “Devido a essa rejeição da mãe biológica, Mateus sempre foi uma criança mito agitada, inquieta e muito carente. Ele mudou totalmente nossa rotina, assim como qualquer bebê quando chega a uma família, mas com esse terrível sentimento, o da rejeição que, claro, ele demonstrava até inconscientemente. Desde muito pequeno ele passa por acompanhamento psicológico, o que vem ajudando tanto a ele, quanto a nós no direcionamento de sua educação, por exemplo”.
Rosângela disse que quando Mateus entrou na escola foi o momento que realmente sentiu seus problemas. “A agitação o impedia de se desenvolver de maneira plena, mas com muita fé e o tratamento adequado, aos poucos, fomos driblando os obstáculos”.
Quando Mateus tinha três anos e meio, mais uma grande mudança marcaria sua vida. A família Rodrigues Soares estava de mudança para a Suíça. “Enéas trabalha em uma multinacional e por questões de trabalho teria que passar um longo tempo neste país até então desconhecido para nós. Ficamos dois anos e meio na Suíça e lá não foi muito diferente daqui com relação ao Mateus, ao contrário: devido à dificuldade com a linguagem acredito que foi até mais complicado, pois neste período ele foi expulso de algumas escolas pelo seu comportamento. Mesmo assim, prosseguimos com o acompanhamento psicológico com uma profissional suíça e aos poucos ele foi se adaptando, e nós também, às mudanças e peculiaridades de um lindo país, cujo verão dura somente três meses, com temperaturas até 20 graus, e o rigoroso inverno registra temperaturas de 19 graus negativos (risos)”, declarou.
Além do tratamento psicológico, Enéas e Rosângela, por terem muita fé, sempre orientaram Mateus sobre a questão espiritual. “O que nos deu força para enfrentarmos tudo na nossa vida foi Deus e nossa fé inabalável. E, graças a Ele, hoje Mateus é um menino muito espiritualizado”.
MATEUS QUERIA UM IRMÃOZINHO OU IRMÃZINHA!
Rosângela disse que após alguns meses na Suíça, Mateus começou a pedir um irmãozinho ou irmãzinha. “É que lá as famílias são formadas geralmente por três, quatro filhos. É muito raro a família que tenha dois ou apenas um filho. E Mateus, vendo seus amiguinhos da escola cheio de irmãos, também queria ter um irmão ou irmã”.
Enéas e Rosângela já tinham esse desejo de adotarem mais crianças, mas como se mudaram para outro país não deram continuidade a outros processos de adoção no Brasil. “Conhecemos um pouco sobre o processo de adoção na Suíça, mas era tudo mais difícil”.
Após o período de 30 meses na Suíça, Enéas, Rosângela e Mateus estavam de volta ao Brasil. E a primeira providência que o casal tomou foi reativar o cadastro de adoção.
“A vontade de Mateus não era apenas ter um irmão para falar que tinha. Ao longo dos anos, mesmo em meio a seus traumas, ele se mostrou uma criança carinhosa e sentimos que ele tinha a necessidade de proporcionar carinho e amor a outra criança na nossa família, talvez até como uma forma de agradecimento, mesmo que inconscientemente, de todo amor que dávamos a ele”.
MAIS TRÊS VIDAS...
Anos depois do recadastramento para adoção, Enéas recebeu uma ligação do juizado de outro município dizendo que havia, novamente, a possibilidade de adoção, entretanto, para a surpresa de Enéas, não era uma criança, mas sim três, irmãos biológicos, sendo dois meninos, um deles de 4 anos, o outro de 1 ano e meio, além de uma menina, que tinha completado 3 anos. “O juizado explicou que não seria bom que os três fossem separados devido à história de vida deles, porém nenhum casal havia se interessado em ficar com as três crianças”.
Neste momento da entrevista, Rosângela, emocionada e olhando carinhosamente para o marido disse que “Enéas, sem pensar duas vezes ou ao menos consultar-me, aceitou adotar os três irmãos. Esse gesto me comove até hoje, pois não é qualquer homem que teria uma atitude assim. Adotar uma criança já gera naturalmente uma preocupação em como cria-la da melhor forma possível, imaginem mais três e de uma vez só! Isso só mostrou que Enéas era realmente um ser humano muito abençoado e dono de um coração enorme, um homem realmente de bem e para o bem”.
Quando foram conhecer as três crianças, que também estavam em um lar, os assistentes sociais contaram ao casal um pouco da história de cada uma. “Os três eram filhos biológicos de uma mãe, porém de pais diferentes. Essa mãe era usuária de drogas e passava vários períodos fora de casa, deixando as crianças com um homem, a qual ela se amasiou, mas que também mal cuidava dos três. Aquela já era a terceira ou quarta vez que o Conselho Tutelar intervia para resguardar os direitos das crianças”.
Rosângela destacou que o que chamou a atenção de imediato quando levou as crianças para a casa pela primeira vez foi o cuidado que uma tinha com a outra. “Enéas e eu ficamos surpresos e tivemos a certeza que aquele homem não cuidava mesmo dos três, tamanho era o cuidado e o carinho que eles tinham entre si. O que também chamou nossa atenção é que provavelmente na casa onde moravam não tinham quase nada, pois uma das crianças disse as outras duas: ‘nossa, aqui tem cama para nós’. Isso nos deu ainda mais vontade de adota-las e que tinha sido Deus que havia colocado mais esses três anjos em nossas vidas”.
E há 8 meses, Tiago, Bianca e Miguel também ganhavam uma nova família e mais um irmão, o Mateus.
“Por toda essa vivência dos três irmãos, Mateus ficou um pouco assustado, pois ele acabou aprendendo muito mais do que ensinando seus novos irmãos. Mas, apesar disso, a adaptação deles vem sendo muito boa. Há um respeito e um carinho muito grande entre todos”, explicou Rosângela.
As demonstrações de carinho com Enéas e Rosângela aconteceram durante toda a entrevista. “E é assim também em casa. Eles começaram a nos chamar de pai e mãe esporadicamente, sem nenhuma pressão ou imposição de nossa parte. Tudo vem sendo bem natural, sempre respeitando o tempo e a história de cada um deles. Eles dizem muito ‘eu te amo’ para nós, oram muito, principalmente antes de dormir e pedem bênção, assim como eu fazia com minha mãe e minha avó. E isso é tão lindo de ser ver em crianças tão carentes de tudo, pois quando chegaram aqui nenhuma sabia o que era Deus, o que era rezar...”
A VERDADE: O MELHOR CAMINHO, SEMPRE
Desde antes de adotarem os quatro filhos, Enéas e Rosângela sempre foram orientados por psicólogos e assistentes sociais para falarem a verdade às crianças: que todos eram filhos do coração.
“Sempre achamos que a verdade era o melhor caminho. E todos eles sabem que são filhos adotivos, até a Bianca e o Miguel, que são os mais novos. Mesmo que ainda seja muito cedo para entenderem é bom que já aprendam a lidar com essa situação. Preferimos agir assim do que vir uma pessoa de fora e contar, correndo o risco de falar de forma equivocada sobre a vida de cada um”, declarou Rosângela.
Hoje, Mateus tem 8 anos, Tiago 5 anos e meio, Bianca 3 anos e Miguel 2 anos. Rosângela afirmou que tem certeza que tudo que aconteceu na vida do casal foi planejado e abençoado por Deus. “Nos deparamos com essas lindas histórias de vida, que nos encorajou a cuidar de cada uma delas com muito amor, carinho, respeito e dignidade. É claro que quatro crianças mudam a vida de qualquer casal, assim como aconteceu conosco. Até mesmo o carro, que era o sonho de Enéas, teve que ser trocado por outro para proporcionar maior conforto e segurança às crianças. E ele, como sempre, fez isso sem nenhum problema. Enéas nunca mediu esforços para proporcionar qualidade de vida a essas crianças já tão sofridas”.
Questionada sobre outras possíveis adoções, Rosângela disse que por enquanto o casal não pensa nisso. “Nunca dizemos nunca, pois se a vontade de Deus prevalecer e Ele colocar mais uma vida no nosso caminho jamais deixaríamos de atendê-lo, mas, por enquanto, nosso foco é educar nossos quatro filhos da melhor forma possível, com valores e deveres, como cidadãos de bem e para o bem”, concluiu.